Honra a Deus quem Nele confia
Uma das coisas em que mais desagradamos a Deus é a pouca
confiança nele. Este defeito provém de não considerarmos bastante o que nos foi
dado no mistério da Encarnação, e o que um Deus
feito homem fez pelos homens. Porque Deus de tal maneira amou o mundo,
que lhe enviou o seu Filho unigênito. Se Ele não poupou ao seu próprio Filho e
o condenou à morte para nos salvar, o que não nos dará ele depois disto? (Jo 3,
16; Rm 8, 32)
Se o
filho de um rei quisesse morrer para expiar o crime de um vassalo que muito
amasse? Ou se um rei oferecesse a vida de seu filho para salvar a de um seu
favorito, seriam atos de misericórdia admiráveis. Mas que este filho quisesse
morrer e seu pai oferecesse a vida dele por seu único e mortal inimigo, então
seria um excesso inconcebível de misericórdia e de bondade; entretanto, foi o
que Deus fez dando o seu Filho único à natureza humana, sua inimiga, não
somente para salvá-la, mas ainda elevá-la ao trono da Divindade. Foi o que fez
o Filho de Deus, que, podendo salvar os homens com uma palavra, com uma
lágrima, com um suspiro, quis merecer-lhes a graça da salvação por meio de uma
vida tão trabalhosa e pobre, como a que levou, e sofrendo morte tão cruel e
ignominiosa como a que padeceu!
Depois
disso, não teremos confiança em tal misericórdia? Não esperaremos que um
Redentor tão cheio de bondade, que nos remiu com o preço do seu sangue
precioso, nos livre dos nossos pecados e imperfeições? A desconfiança desagrada
imensamente a Deus, sobretudo quando vem de criaturas a quem concedeu graças
extraordinárias.
Foi em
castigo de uma ligeira desconfiança que Moisés não entrou na terra da promissão1. Morreu, tendo avistado esta terra
tantas vezes prometida e tão ardentemente desejada. Mas não entrou nela e Deus
não se deixou comover por nenhuma oração.
Ofendemos
a Deus quando dizemos: “Quando me tornarei indiferente? Quando terei o dom da
oração?” Como se Deus fosse pobre ou avaro2 de seus dons! Como se ele mesmo não tivesse empreendido a
nossa perfeição! Cumpramos unicamente a sua vontade, cooperemos com suas
graças, procuremos purificar o nosso coração e confiemos, que nada nos há de
faltar.
Muitos
não conseguirão chegar a grande perfeição, porque não confiam bastante. Devemos
ter grande e inabalável confiança, estribada3 na misericórdia e na bondade infinita de Deus, e nos
merecimentos infinitos de Jesus Cristo. “Sois vós, Senhor, o único amparo da
minha confiança” (Sl 4, 10)
Devemos
confiar e esperar de Deus grandes coisas, porque os merecimentos de nosso Senhor
nos pertencem. Muito honra a Deus quem muito nele confia e quanto mais
confiarmos em Deus, tanto maior honra lhe daremos.
1.Dada em promessa -- 2.Mesquinho, sem
generosidade -- 3.Apoiada, fundamentada
Fonte: Pe. Luiz Lallemant, sj – Vida e Doutrina Espiritual – Editora
Vozes, 1940 – do acervo da biblioteca da Congregação Mariana da Anunciação