A Necessidade do Magistério e da Tradição da Igreja
Por Udson
Correia
A Igreja Católica, desde os tempos apostólicos ensina que além da
Sagrada Escritura, também é necessário para a formação doutrinal e moral da
Igreja, a Sagrada Tradição (compreendendo aí os ensinamentos dos apóstolos e
dos primeiros cristãos) e o Sagrado Magistério (compreendendo o que os
Concílios, o Bispo de Roma em particular, e em comunhão com ele todos os Bispos
definem e ensinam como verdades de fé e moral).
Tal tríade abençoada (Sagrada Escritura, Sagrada Tradição e
Sagrado Magistério) foram e são os responsáveis pelo desenvolvimento e
manutenção de toda a doutrina católica nestes vinte séculos de história cristã.
O
Protestantismo nega tanto a Tradição quanto o Magistério legitimamente
instituído por Jesus Cristo. Para eles, a única regra é a Sola Scriptura (ou
seja somente a Bíblia e nada mais do que ela é regra de fé e de moral)
interpretada livremente por qualquer pessoa ( método do livre exame). Eis
Martinho Lutero a dize-lo sem rodeios: "a todos os cristãos e a cada um em
particular pertence conhecer e julgar a doutrina.
Anátema a quem lhe tocar um fio deste direito" (Conforme D. M. Luthers, Werke, Kritische
Gesamtausgabe. Weimar, X. 2 Abt.,
p. 217, 1883 ss). Como se dissesse a cada um de seus seguidores: Eia pois, valoroso cristão! Tu
és mestre de ti mesmo. Despreza tudo o que os primeiros cristãos, os Bispos e
os Concílios definiram como verdade. Toma tu a bíblia, senta em tua saleta e
defina tu mesmo o teu cristianismo!
Procuraremos
demonstrar - se Deus o consentir - que ao abandonar tanto a Sagrada Tradição
quanto o Sagrado Magistério, o protestantismo provocou inadvertidamente sua
própria dissolução doutrinária e orgânica. E hoje, infelizmente, sob o elástico
nome de "protestantismo" se abrigam milhares e milhares de seitas
doutrinariamente e disciplinadamente discordantes entre si. Causando um
fragrante escândalo à causa ecumênica e ao desejo expresso de Jesus Cristo:
" Para que
todos sejam um (...) e o mundo creia que tu me enviaste"
(Jo 17, 20-21).
Com
efeito, sabemos, a própria Bíblia não caiu pronta dos céus. Quem definiu que
cada um dos livros que compõem a Sagrada Escritura, era de inspiração Divina
foi o Espirito Santo agindo através da Tradição e do Magistério Católico. Isto
são fatos históricos! Quem definiu o cânon completo, tanto do antigo quanto do
novo testamento, foi o Espirito Santo através da Tradição e do Magistério. Quem
definiu que o Novo Testamento e o Velho fosse enfeixado em um único volume
dando portanto igual valor entre os dois testamentos foi a Tradição e o Magistério.
Do que viveu a Igreja católica primitiva, durante os primeiros anos de
pregação? Quando o Novo testamento ainda não havia sido escrito? Sobreviveu
pela Tradição e pelo Magistério.
A própria
Bíblia dá testemunho interno da necessidade de uma Tradição e de um Magistério
vivo, para interpretá-la e ensiná-la. Transcrevo sobre isto, o magnífico
comentário de Pe. Leonel Franca: "(a própria Bíblia) inculca a
necessidade do ensino vivo, a importância de conservar a tradição, a
insuficiência das Escrituras, que segundo afirma São João, não encerra tudo o
que ensinou o Salvador (Jo 21,25). Jesus Cristo nunca mandou aos seus
discípulos que folheassem um livro para achar a sua doutrina, mandou pelo
contrário aos fiéis, que ouvissem aos que Ele mandara pregar: "quem vos ouve, a
mim ouve"; se alguém "não ouvir a Igreja, seja considerado como infiel e
publicano", isto é, não pertencente a Igreja; se alguém "não vos receber nem ouvir vossas palavras,
saindo da casa ou da cidade sacudi até o pó dos sapatos"; "Pai, oro não só por
estes (Apóstolos), mas por todos os que hão de crer em mim mediante a sua palavra, a
fim de que sejam todos uma coisa só". Foi Jesus ainda quem prometeu o seu
Espírito de Verdade, a sua assistência espiritual, todos os dias, até a
consumação dos séculos, para que os apóstolos vivendo moralmente em seus
sucessores (os bispos) continuassem até o final dos tempos a ensinar sempre
tudo o que ele nos mandou. Eis meus caros leitores, o que diz a Bíblia" (Franca, P. Leonel, I.R.C., 1958, pg.216-7).
Quando se fala
de Magistério, evidentemente se fala do magistério legítimo, constituído por
Jesus Cristo, o qual prometeu assistência especial e infalível até o final dos
tempos: "Recebei o Espírito Santo (...) Eu estarei convosco até o final do
tempos". Hoje, qualquer papalvo se atribui a si mesmo o título de
"bispo" e sai por aí a fundar seitas e pregar doutrinas.
Evidentemente este não é um magistério legítimo. O indivíduo que a si mesmo se
premia com o título de "bispo", nada mais é que um mentiroso
sacrílego.
Os próprios apóstolos ensinaram à exaustão a respeito da
necessidade da Sagrada tradição e do Magistério legitimamente constituído.
Vejamos S. João em suas últimas duas epístolas dizer expressamente que não quis
confiar tudo por escrito, mas havia outras coisas que comunicaria àviva voz (II
Jo 12 ; III Jo 14). O apóstolo São Paulo inculca fortemente a necessidade
de uma tradição e um magistério vivo: "Estais firmes, irmãos e conservai as tradições que
aprendestes ou de viva
voz..." (II Tes 2,15); "que vos aparteis de todos os
que andam em desordens e não segundo a tradição que receberam de nós" (II
Tes 3,6); "O que de mim ouvistes por
muitas testemunhas,
ensina-o a homens fiéis que se tornem idôneos para ensinar aos
outros" (II Tm 2,2). A Igreja fundada por Cristo, portanto, seria ela
"a coluna e o firmamento da verdade" (I Tm 15). A Igreja fundada por
Cristo portanto é maior que a Sagrada Escritura. Pois a Igreja é quem a
escreveu, a definiu, a interpreta e a ensina. Os primeiros cristãos, seguindo os
ensinamentos dos apóstolos e já de posse da Sagrada Tradição e do Sagrado
Magistério, nem pensam ser a Bíblia a única regra de fé. Aqui, por falta de
espaço, vamos respigar apenas algumas citações da vasta seara dos testemunhos
primitivos: "Advertia,
antes de tudo, às igrejas das diversas cidades que evitassem, sobre todas as
coisas, as heresias que começavam então a se alastrar e exortava-as a se aterem
tenazmente à tradição dos apóstolos" (Eusébio resumindo o
ensino de S. Inácio de Antioquia, martirizado no ano 107 d.C. - cf. Euséb., Hist. Eccles., III,
36 / MG, 20, 287); "Antes
exortei-vos a vos conservardes unânimes na doutrina de Deus, pois Jesus Cristo, nossa vida inseparável, é a doutrina do Pai, como a doutrina de Jesus Cristo
são os bispos constituídos nas diversas regiões da terra" (clara alusão ao Sagrado Magistério - S. Inácio, 107 d.C., in Ad Ephesios, 3-4)
; "Sob
Clemente, havendo nascido forte discórdia entre os irmãos de Corinto, a Igreja
de Roma escreveu-lhes uma carta enérgica, exortando-os à paz, reparando-lhes a
fé, e anunciando-lhes a tradição que havia pouco tinham recebido dos apóstolos"
(S. Irineu, martirizado em 202 d.C., in Contra as Heresias III,
c.3, n.3);
"Aí está claro, a quantos querem ver a verdade, a tradição dos apóstolos,
manifesta em toda a Igreja disseminada pelo mundo inteiro..." (Idem, in Contra as heresias III, 3, 1) ; "Não devemos buscar nos outros a
verdade que é fácil receber da Igreja, pois os apóstolos a mãos cheias versaram nela, como em riquíssimo depósito, toda a verdade... Este é o caminho
da vida" (Idem, in Contra as heresias III,
4, 1); "E
se os apóstolos não nos houvessem deixado as Escrituras, não cumpria seguir a
ordem da Tradição por eles ensinada aos a quem confiavam à sua Igreja?"
(Idem, in Contra as heresias III, 4, 1) ; "De nada vale as
discussões das Escrituras. A heresia não aceita alguns de seus livros, e se os
aceita, corrompe-lhes a integridade, adulterando-os com interpolações e
mutilações ao sabor de suas idéias, e se, algumas vezes admitem a Escritura
inteira, pervertem-lhe o sentido com interpretações fantásticas..." (Tertuliano, séc. III, in De Praescriptionibus., c.19/ML, II, 31). Na mesma obra assevera que onde estiver a verdadeira Igreja, "aí se achará a verdade
das Escrituras, da sua interpretação e de todas as tradições
cristãs" ( Idem, De Praescript., c.
19 ML, II, 31).
Jesus
Cristo instituiu para sua Única Igreja um Magistério verdadeiro, pois disse à
Pedro: "Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno
não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do
Reino dos Céus; tudo
o que ligares na terra será ligado nos
céus..." (Mt 16, 18-19), e em outro lugar: "Eu estarei convosco até o final
dos tempos". Para os católicos, se Jesus prometeu ficar
conosco até o final dos tempos, ele irá cumprir literalmente esta promessa. Se
ele disse que a sua Igreja iria se manter firme por todo o sempre porque as
portas do inferno não iriam prevalecer, nós cremos que ele está cumprindo
concretamente esta promessa.
Pois não é
exatamente isto que constatamos na Igreja Católica? Dois mil anos de existência
ininterrupta. E que constância doutrinária e moral admirável! Quantas
perseguições e vicissitudes e no entanto "as portas do inferno não
prevaleceram". Parte desta unidade e estabilidade maravilhosa devemos
certamente à instituição da Sagrada Tradição e do Sagrado Magistério por Cristo
e pelos apóstolos.
O protestantismo negando tanto a Tradição quanto o Magistério
sofre desde os seus primórdios uma desintegração doutrinária assombrosa. Onde
Cristo fundou a Igreja Católica sobre a Rocha, Lutero & Cia fundaram a "igreja" Evangélica sobre a areia movediça da sola scriptura e
do livre exame. E logo nas primeiras ventanias, pôs-se a casa dos reformadores
a desabar fragorosamente: tábuas lançadas aqui e ali, telha lá e acolá,
junturas e cacos em todas as direções.
As
divisões e subdivisões do Protestantismo desafiam hoje a paciência dos mais
abnegados dos estatísticos.
Vejamos como no princípio deste século, o Reverendíssimo Pe.
Leonel Franca já chamava a atenção para este fato, descrevendo lucidamente o
processo de desagregação doutrinária do protestantismo, baseado no método da sola scriptura e
do livre exame: "Na
nova seita (protestantismo) não há autoridade, não há unidade, não há
magistério de fé. Cada sectário recebe um livro que o livreiro lhe diz ser
inspirado e ele devotamente o crê sem o poder demonstrar; lê-o, entende-o como
pode, enuncia um símbolo, formula uma moral e a toda esta mais ou menos
indigesta elaboração individual chama cristianismo evangélico. O vizinho repete
na mesma ordem as mesmas operações e chega a conclusões dogmáticas e morais
diametralmente opostas. Não importa; são irmãos, são protestantes evangélicos,
são cristãos, partiram ambos da Bíblia, ambos forjaram com o mesmo esforço o
seu cristianismo." ( In I.R.C. Pg. 212 , 7ª ed.).
Vejamos
alguns exemplos práticos: um fiel evangélico quer mudar de seita? Precisa-se
rebatizar? Umas igrejas dizem sim, outras não. Umas admitem o batismo de
crianças, outras só de adultos, umas admitem a aspersão, infusão e imersão.
Aquela outra só imersão, e mesmo há grupelho que só admite batismo em água
corrente e sem cloro! Aqui e ali as fórmulas de batismo são tão variadas como
as cores do arco-íris. Quer o sincero evangélico participar da Santa Ceia? Há
seitas que consideram o pão apenas pão (pentecostais), outras que o pão é
realmente o corpo de Cristo (luteranos, episcopais e outros). [nota do blog: mesmo o conceito de presença real eucarística no protestantismo é diferente da doutrina católica]. Uns a praticam
com pão ázimo, outras com pão comum, aqui com vinho, lá com vinho e água, acolá
com suco de uva. A Santa Ceia pode ser praticada diariamente, mensalmente,
trimestralmente, semestralmente, anualmente ou não ser praticada nunca.
Trata-se de ministérios ordenados? Esta seita constitui Bispos, presbíteros e
diáconos. Àquela só presbíteros e pastores, ali pastores e anciãos, lá Bispos e
anciãos, acolá presbíteros e diáconos, outras não admitem ministro nenhum. Umas
igrejas ordenam mulheres, outras não. E por aí, atiram os evangélicos em todas
as solfas quando o assunto é ministério ordenado. Após a morte, o que espera o
cristão? Pode um crente questionar seu pastor sobre isto? E as respostas
colhidas entre as denominações seria tão rica e variada quanto a fauna e a
flora. Há pastor que prega que todos estarão inconscientes até a vinda de
Cristo quando serão julgados; outros pregam o "arrebatamento" sem
julgamento; outros, uma vida bem-aventurada aqui mesmo na terra; aqueles lá
doutrinam que após a morte já vem o céu e o inferno; no outro quarteirão, se
ensina que o inferno é temporário; opinam alguns que ele não existe; e tantas
são as doutrinas sobre os novíssimos quanto os pastores que as pregam. Está
cansado o fiel da esposa da sua juventude? Não tem importância, sempre
encontrará uma seita a lhe abrir risonhamente as portas para um novo
matrimônio. E de vez em quando não aparece um maluco aqui e ali aprovando a
poligamia? Lutero mesmo admitiu tal possibilidade: "Confesso, que não posso
proibir tenha alguém muitas esposas; não repugna às Escrituras; não quisera
porém ser o primeiro a introduzir este exemplo entre cristãos"
(Luthers
M.,
Briefe, Sendschreiben (...) De Wette, Berlin, 1825-1828, II. 259).
Não há uma pesquisa nos Estados Unidos que demonstra que entre os critérios
para um evangélico escolher sua nova igreja está o tamanho do estacionamento?
Eis o que é hoje o protestantismo.
Vejamos
neste passo a afirmação de Krogh Tonning, famoso teólogo protestante norueguês,
convertido ao catolicismo, que no século passado já afirmava: "Quem trará à nossa
presença uma comunidade protestante que está de acordo sobre um corpo de
doutrina bem determinado? Portanto uma confusão (é a regra) mesmo dentre as
matérias mais essenciais" (Le protest. Contemp., Ruine constitutionalle, p. 43, in I.R.C., Franca, L., pg. 255. 7ª ed,
1953)
Mas o
próprio Lutero, que saiu-se no mundo com esta novidade da sola scriptura, viveu o
suficiente para testemunhar e confessar os malefícios que estas doutrinas iriam
causar pelos séculos afora: "Este não quer o batismo, aquele nega os sacramentos; há quem
admita outro mundo entre este e o juízo final, quem ensina que Cristo não é
Deus; uns dizem isto, outros aquilo, em breve serão tantas as seitas e tantas
as religiões quantas são as cabeças" ( Luthers M. In. Weimar, XVIII, 547 ;
De Wett III, 6l ). Um outro trecho selecionado, prova que o
Patriarca da Reforma tinha também de quando em quando uns momentos de bom
senso: "Se
o mundo durar mais tempo, será necessário receber de novo os decretos dos
concílios (católicos) a fim de conservar a unidade da fé contra as diversas
interpretações da Escritura que por aí correm" (Carta de
Lutero à Zwinglio, in
Bougard, Le Christianisme et les temps presents, tomo IV (7),
p. 289).
Gostaríamos
de terminar por aqui para não sermos enfadonhos. Quando o Pai do
Protestantismo, diante da dissolução das seitas, já há quinhentos anos atrás,
confessa ao outro "reformador" que seria necessário receber de novo o
Sagrado Magistério (Concílios) para manter a unidade, a regra do livre exame e
da sola
scriptura já está julgada por si mesma.