Santo Inácio de Loyola (31 de julho)
Fonte: Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XIII, p. 461 à 481 - citado aqui
Havia várias semanas que Inácio de
Loyola, oficial espanhol, nascido em Biscaia, no ano 1491, esperava sua
perfeita cura da perna, que tinha sido quebrada em 1521, por uma bala de
canhão, no cerco de Pamplona. Já fora curada, mas mal; foi preciso quebrá-la de
novo e consertá-la uma segunda vez.
Por fim, ficou curada; mas ele
percebeu um osso que avançava demais, abaixo do joelho e lhe causava
deformidade notável. Como queria conservar, a todo custo, uma perna bonita,
mandou cortar o osso. Teve então que ficar de cama ainda várias semanas, embora
gozasse de boa saúde. Com isso, ficou enfadado.
Pediu romances para se distrair. Mas
não o encontraram. Deram-lhe uma Vida dos Santos. Ele a leu, primeiro, para
passar o tempo; mas pouco a pouco, tomou gosto pela leitura e a ela se dedicou
inteiramente, de tal sorte, que passava assim dias inteiros. Não se cansava de
admirar nos santos o amor da solidão e da cruz. Dizia para si mesmo: Como! E se
eu fizesse o que fez São Francisco? E então? Se eu fizesse como um São
Domingos? Aspirava sempre a coisas difíceis e grandes e parecia-lhes que tinha
força para isso, por este único motivo: São Domingos o fez, então eu o farei
também. Depois, a esses pensamentos de Deus, sucediam pensamentos do século.
Mas notou uma grande diferença entre
uns e outros: os pensamentos do século alegravam apenas por um momento, para
depois o deixarem de novo triste e árido; ao passo que quando pensava na
peregrinação a Jerusalém, em comer somente ervas, em praticar outras
austeridades que tinha lido na Vida dos Santos, não somente tais pensamentos o
alegravam no momento, mas o deixavam ainda alegre. A única resolução que tomou,
então, foi após sua cura, ir a Jerusalém e praticar toda sorte de austeridades
para fazer penitência.
Pensando no que faria ao seu regresso
de Jerusalém, veio-lhe à mente na ordem dos cartuxos de Sevilha, sem se dar a
conhecer, para ser menos estimado, e comer apenas ervas; mas lembrando-se das
penitências que se propunha a fazer, temia não poder, entre os cartuxos,
praticar o ódio que tinha concebido contra si mesmo. Um de seus criados, indo a
Burgos, recomendou-lhe tomasse informações sobre a vida desses religiosos. A
narração causou-lhe prazer, mas ele ficou lá, preocupado com sua próxima
partida.
Tendo-se despedido da família, sem
dar a conhecer seus projetos, foi sozinho a Monte-Serrat. É um mosteiro de
beneditinos, a um dia de Barcelona, construído sobre uma montanha toda coberta
de rochedos e famoso pela devoção dos peregrinos, que, de todos os lugares do
mundo, vem implorar socorro da Virgem e honrar-lhe a imagem milagrosa.
Inácio fez uma confissão geral a um
religioso do mosteiro. Foi o primeiro confessor ao qual manifestou seu plano de
vida. Com seu conselho, deu a mula ao mosteiro, as vestes preciosas, a um pobre
mendigo, vestiu o hábito dos peregrinos, pendurou a espada e o punhal a uma
pilastra, perto do altar de Nossa Senhora, diante do qual passou em oração a
noite que precedeu a Anunciação da Santa Virgem, em 1522.
Ao despontar o dia, recebeu a Santa
Comunhão e pôs-se a caminho para Manresa, pequena cidade, a três léguas, que só
tinha de importante um mosteiro de São Domingos e um hospital para os
peregrinos e enfermos.
Inácio foi diretamente ao hospital.
Lá teve grande alegria de ser posto no número dos pobres e em estado de fazer
penitência sem ser conhecido. Começou a jejuar toda a semana a pão e água,
exceto no domingo, quando comia um pouco de ervas cozidas ainda misturando-lhes
um pouco de cinza. Cingiu a cintura com uma corrente de ferro e tomou um
cilício sob as vestes de pano, de que se cobria. Castigava severamente o corpo
três vezes ao dia, dormia pouco e por terra. Maltratando-se assim, não teve
outra vista no começo que imitar os santos penitentes e expiar suas desordens
passadas. Concebeu, depois, um desejo ardente de procurar a glória de Deus, em
suas ações; e o desejo tornou o motivo de sua penitência mais puro e nobre.
Refletindo sobre seu proceder, julgou
que as macerações da carne o fariam adiantar pouco nas estradas do céu e se não
procurasse sufocar em si os movimentos do orgulho e do amor próprio. Por isso,
mendigava o pão de porta em porta, apresentando um exterior grosseiro e sujo.
Também, quando apareceu em Manresa, as crianças o apontavam, atiravam-lhe
pedras e o seguiam pelas ruas com forte assuada.
Entretanto, corria o boato de que um
gentil-homem desconhecido tinha dado as vestes a um pobre, que esse pobre tinha
sido preso como ladrão, até que o cavalheiro desconhecido tivesse declarado à
polícia que lhe tinha dado aquelas vestes.
A essa notícia, os habitantes de
Manresa começaram a suspeitar de que o peregrino mendigo, de quem todos
zombavam, poderia bem ser um homem ilustre que fazia penitência. Inácio,
percebendo que o olhavam com vistas diferentes, retirou-se a uma caverna quase
inacessível, nos arredores, e deu-se a penitências extraordinárias; aí foi
provado por tentações diversas, como Nosso Senhor no deserto. Algumas pessoas
que descobriram seu retiro, à força de o procurar, encontraram-no um dia
desmaiado à entrada da caverna e o levaram, contra vontade, ao hospital de
Manresa, onde logo se perdeu a esperança de que vivesse. Os religiosos
dominicanos que lhe dirigiam a consciência, tiveram piedade dele e o levaram a
um mosteiro por caridade. Os sofrimentos do corpo n]ao eram is únicos nem
maiores. O espírito das trevas atormentava-lhe a alma com tentações horríveis
de desânimo e de desesperação. Por fim, entretanto, Deus restituiu-lhe a saúde
do corpo e a tranquilidade da alma, deixou-lhe mesmo entrever is mistérios do
céu.
Até aí, Inácio só tinha pensado em
glorificar a Deus, por sua prórpia santificação. Compreendeu então, que Deus
seria muito mais glorificado se trabalhasse também para a santificação de
outros. Não é muito, dizia, que eu sirva o Senhor; é preciso que todos os
corações o amem e que todas as línguas o bendigam.
Saiu da solidão, moderou as
austeridades, tomou um exterior menos repelente e pôs-se a falar aos homens das
coisas do céu. Aquelas conversas produziam grande furto de salvação; muitos
pecadores se converteram. Inácio aproveitou a experiência para redigir a
continuação e o conjunto dos seus exercícios espirituais, próprios para tirar o
homem do pecado e guiá-lo para a perfeição. Como aquela obra de Inácio lhe
granjeasse novos louvores e admiração do povo, deixou Manresa, do mesmo modo
como tinha deixado Monte-Serrat, e fez uma peregrinação a Jerusalém, como
peregrino dos mais pobres, passando por Barcelona, Roma e Veneza. Seu desejo
não era mais somente honrar os santos lugares mas também trabalhar pela salvação
dos cismáticos e dos infiéis.
Durante a viagem, teve tempo de fazer
muitas reflexões. Pensou que para trabalhar na conversão das almas, era preciso
ter conhecimentos que lhe faltavam, e que jamais poderia fazer algo de sólido,
sem o fundamento das letras humanas. Voltou, então, a Barcelona para estudar, a
começar a gramática latina. Tinha trinta e três anos quando se pôs a frequentar
todos os dias a classe com os meninos. Como fazia para a maior glória de Deus e
pela salvação das almas, nenhuma dificuldade o detinha. Para se manter sempre
no espírito de piedade, lia frequentemente a Imitação de Cristo que
considerava, depois do Evangelho, o mais piedoso do Espírito de Deus.
Depois de dois anos, foi estudar
filosofia nas universidades de Alcalá e Salamanca.
Continuava, ao mesmo tempo, a
trabalhar pela salvação das lamas, catequizando as crianças, exortando os
enfermos. Como a heresia de Lutero e de Calvino mandava então, por toda parte
seus emissários, Inácio também foi suspeito de ser um deles; mas as autoridades,
reconheceram que era fiel filho da Igreja. Tendo vindo de Salamanca para
aperfeiçoar-se em Paris nos seus estudos, aí comunicou seu zelo a uma meia
dúzia de companheiros com os quais se consagrou a Deus, no dia da Assunção da
Santíssima Virgem, em 1534, na capela subterrânea da Igreja de Montmartre. Foi
essa origem da Companhia de Jesus que tanto bem fez a Igreja de Deus, para a
conversão dos infiéis, dos hereges, dos pecadores e para o progresso dos justos
nas vias da perfeição.
Entre os primeiros discípulos de
Santo Inácio, admiramos sobretudo São Francisco Xavier, apóstolo da Índia! Oh!
Quem poderia dizer os frutos incontáveis de salvação, que produziu aquela
leitura casual da Vida dos Santos?
A resolução de Inácio e dos companheiros
era ir a Jerusalém, trabalhar pela salvação dos almas, ou então, se a
Providência pusesse obstáculo à viagem, ir oferecer-se ao Papa para servir à
Igreja, sob suas ordens. Com tal fim determinaram encontrar-se em Veneza, para
de lá ir ao Oriente.
Inácio, para regular os negócios,
viajou para a Espanha, onde suas instruções operaram um grande bem. Passando da
Espanha a Veneza, lá viu companheiros chegar a 8 de janeiro de 1537. Era onze
ao todo e, esperando navegação favorável, entregaram-se a toda sorte de boas
obras, como catequizar os ignorantes, e servir os enfermos nos hospitais.
Passando o ano e não havendo nenhuma
probabilidade de que a navegação fosse livre, ficou resolvido que Inácio,
Lefébvre e Laynez, iriam a Roma expor ao Santo Padre suas intenções e de todo o
grupo; que os outros, entretanto se distribuiriam pelas universidades mais
famosas da Itália, para inspirar a piedade aos jovens que estudavam e recrutar
ainda alguns deles. Antes de se separarem, determinaram uma maneira de viver
uniforme e comprometeram-se a observar as regras seguintes:
1°) Que se hospedariam nos hospitais
e viveriam de esmolas; 2°) Que aqueles que estivessem juntos, seriam superiores
por sua vez, cada um uma semana, para que o fervor não os levasse muito longe,
senão marcassem limites uns aos outros, para as penitências e o trabalho; 3°)
que pregariam nas praças públicas e em outros lugares onde lhes fosse permitido
fazê-lo que em sua pregação eles falariam da beleza e das recompensas da
virtude, da feiura e do castigo do vício; mas que o fariam de uma maneira
conforme à simplicidade do Evangelho e sem os vãos ornamentos da eloquência;
4°) que ensinariam às crianças a doutrina cristã e os princípios dos bons
costumes; 5°) que não receberiam dinheiro por suas funções e que servindo o
próximo, procurariam unicamente a Deus. Inácio disse-lhes ainda que, estando
todos reunidos para combater as heresias e os vícios, sua sociedade tinha
somente o nome de Companhia de Jesus.
O Papa Paulo III recebeu com alegria
o oferecimento de Inácio e de seus companheiros. Para começar a servir-se
desses novos operários, desejou que Laynez e Lefébvre ensinassem teologia no
colégio da Sapiência; aquele, a escolástica, e este, a Escritura Sagrada.
Inácio, empreendeu, sob sua autoridade apostólica, a reforma dos costumes, por
meio dos exercícios espirituais e das instruções cristãs. Entretanto, os novos
apóstolos em Veneza e em Roma, mais de uma vez foram acusados e caluniados,
especialmente por um emissário da heresia; mas sua inocência foi sempre
constatada e a calúnia, confundida.
Finalmente o Papa Paulo III confirmou
o instituto de Inácio, sob o nome de Companhia de Jesus, por sua bula de 27 de
setembro de 1540. Essa bula contém o elogio dos dez primeiros Padres e traz em
termos formais, que só há coisas boas e santas nesse novo instituto de que ela
apresenta o plano e o conjunto. O Papa permitiu-lhes, pela mesma bula,
estabelecer as constituições tais como eles julgassem mais próprias para sua
perfeição particular, para a utilidade do próximo e para a glória do Senhor. É
verdade, que ele limitou o número de professos, e os restringiu a sessenta. Mas
tirou aquela restrição dois anos depois, por outra bula; e foi o interesse da
cristandade que o obrigou a assim fazer, como ele mesmo declarou.
Depois que a Santa Sé aprovou a
Companhia de Jesus, Inácio julgou que devia começar por escolher um chefe. Ele
mesmo foi o escolhido. Seu confessor, que era um religioso de São Francisco,
declarou-lhe claramente que resistia ao Espírito Santo, resistindo à sua
escolha e ordenou-lhe, da parte de Deus, aceitar o cargo de superior-geral.
Inácio rendeu=se e no dia de Páscoa, 17 de abril de 1541, aceitou o governo da
Companhia de Jesus. A primeira função do novo geral foi dar o catecismo às
crianças de Roma, durante a quarenta e seis dias; então para lá acorreram toda
espécie de pessoas, mesmo homens e mulheres de posição, teólogos e canonistas;
os frutos foram maravilhosos; a seu exemplo, os superiores da Companhia dão
quarenta dias de catecismo, quando assumem o cargo.
Antes disso, já o embaixador do rei
de Portugal, tinha pedido seis de seus companheiros para evangelizar as Índias
orientais. Meu Deus, respondeu Inácio, se dos dez que somos, seis forem para as
Índias, que restaria para os outros países do mundo? O embaixador levou somente
Simão Rodrigues e Nicolau Bobadilha, o qual, tendo caído enfermo foi
substituído por Francisco Xavier: dois homens para conquistar a Índia e o
Japão. Ainda para lá, foi um somente, por que o outro ficou em Portugal.
Inácio continuava suas obras em Roma.
Assistindo aos enfermos nos hospitais e alhures, constatou que a maior parte só
se confessava nos últimos momentos da vida. Obteve então de Paulo III se
renovasse a decretal de Inocêncio III que ordena que o médico só veja os
doentes, depois de eles se terem confessado. O novo Papa trouxe a isso uma
modificação: permitiu duas visitas do médico, antes da confissão do doente, e
proibiu a terceira sob penas rigorosas. Uma prática tão cristã se observa ainda
na Itália.
Inácio converteu muitos judeus e
procurou vários estabelecimentos e determinações em favor dos neófitos.
Trabalhava ao mesmo tempo na conversão das moças e mulheres de má vida e reuniu
um grande número delas e as colocou num estado conveniente, onde, sem serem
obrigadas a fazer votos religiosos, podiam, a salvo do perigo, levar vida
cristã. Diziam-lhe às vezes que perdia o tempo e que aquelas infelizes não se
converteriam jamais, de coração. Quando lhe impedisse somente ofender a Deus
uma noite, respondia ele, julgaria meu trabalho bem empregado.
Fundou um mosteiro para moças ainda
não perdidas, mas expostas a esse perigo; ainda mais, duas casas para órfãos,
uma para meninos e outra para as meninas que ele mesmo dirigiu, e que
subsistiram por muito tempo.
O processo que mantinha, nessa
espécie de boas obras, era nelas incluir o mais possível pessoas ricas e
devotas, escolher um cardeal, homem de bem, que lhe fosse o protetor, e
estabelecer administradores para o temporal e diretores para o espiritual, que
governassem sabiamente as casas segundo os estatutos que ele combinava. Mas,
quando a coisa estava bem firme e tudo já caminhava por si mesmo, tinha o
costume de se retirar, para não causar inveja a ninguém e para empreender outra
coisa útil ao público.
Esse era o espírito de Santo Inácio: preparar o
terreno, semear o bom grão, depois deixar-lhe a cultura e a messe a outros;
fundar boas obras, fundar novas igrejas e de todas as obras, a mais excelente;
depois, o mais depressa possível, confiar-lhe a administração a um clero
indígena, para correr a novos desbastamentos, a novas construções. O mundo não
conhecia aquele espírito. É o espírito de Jesus, que semeia o bom grão, rega-o
com seu sangue e deixa a colheira aos apóstolos; é o espírito de São Paulo, que
funda, por toda a parte igrejas, para as confiar a padres e bispos e ir fundar
outras igrejas em outros lugares.Bendito seja para sempre o cristão, o
missionário, a ordem religiosa que cuidar e conservar esse espírito de São
Paulo e de Santo Inácio!
Jesus, Deus eterno, fez-se homem,
entregou-se à morte por amor à sua Igreja, a fim de a santificar e de a
apresentar a si mesmo, como uma esposa sem mancha; afirma estar com ela todos
os dias até à consumação dos séculos, manda-lhe o Espírito Santo, para ficar
com ela eternamente. Jesus, Deus eterno, diz ao apóstolo que ele chamou de
Pedro: Tu és o Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas
do inferno não prevalecerão contra ela; e eu te deu as chaves do reino dos céus
e tudo o que ligares na terra será ligado no céu, e o que desligares na terra
será desligado no céu. Apascenta meus cordeiros, apascenta minhas ovelhas. E
somente um rebanho e um só pastor. - Dizer agora que Jesus, Deus eterno, Jesus
a mesma verdade, não manteve sua palavra, que abandonou sua Igreja e que o
inferno prevaleceu contra ela ... Viva Deus! ... é uma mentira dessa velha
serpente, que seduziu uma parte dos anjos, que seduziu nossos primeiros pais,
que seduziu as nações pagãs nos ídolos: é uma blasfêmia desse rei do orgulho,
que não se tendo podido tornar semelhante ao Altíssimo, quer tornar o Altíssimo
semelhante a ele, falso e mentiroso. - Cristãos, soldados de Cristo, alerta!
Eis o inimigo! - Para refutar essa mentira do inferno, para destruir seus
perniciosos efeitos deveis trabalhar, a exemplo de Inácio. Deus o suscita com
sua companhia, não para fazer tudo, mas para servir de modelo, a todo o
exército cristão, a fim de que todos, homens, mulheres, crianças façam o mesmo.
Levar a Deus todo o homem e todos os
homens unidade da fé, da esperança e da caridade, sem distinção de grego, nem
de bárbaro, é esse o fim da Igreja Católica, esse o fim da Companhia de Jesus,
esse o voto de todo cristão fiel. Para esse objetivo tendem as constituições de
Santo Inácio, à sua companhia. Como a mesma Igreja, ele abraça a vida
contemplativa e a vida ativa, todas as ciências e todas as boas obras.
Como meio de chegar a esse fim, Santo
Inácio fundou colégio por toda parte; para a educação cristã da juventude,
fundou em Roma o colégio Germânico, para a restauração católica da Alemanha,
fundou ainda o colégio romano, para a regeneração cristã e científica do
inteiro universo.
Havia muito tempo a saúde de Santo
Inácio, minada pelo trabalho ininterrupto, ameaçava ruína. Ele via aproximar-se
o fim; não deixava porém, de se ocupar dos cuidados que a companhia reclamava;
por fim o mal foi mais forte que sua coragem.
Embora suas enfermidades, que
aumentavam todos os dias com a idade, não lhe permitissem agir por fora, queria
que lhe dessem conta das boas obras de vulto, que se faziam na Itália e
alhures...
Sentindo-se um dia mais fraco que de
costume e considerando que a obediência era a alma e o caráter de sua ordem,
mandou chamar o companheiro de seu secretário, e depois de lhe ter dito que não
poderia viver por muito tempo, acrescentou: Escreverei. Desejo que a companhia
saiba os meus últimos pensamentos sobre a virtude da obediência e ditou-lhe o
que segue:
1°) Desde que eu entrar na religião,
meu primeiro cuidado será abandonar-me inteiramente ao governo de meu superior.
2°) Seria de se desejar que eu caísse
nas mãos de meu superior que determinasse dominar meu juízo e que se desse todo
a isso.
3°) Em todas as coisas onde não há
pecado, é preciso que eu siga o juízo de meu superior, e não o meu.
4°) Há três maneiras de obedecer: A
primeira, quando fazemos o que nos é mandado em virtude da obediência e essa
maneira é boa; a segunda, que é melhor, quando obedecemos a simples ordens; a
terceira, e a mais perfeita de todas, quando não esperamos a ordem do superior,
mas a prevenimos e adivinhamos sua vontade.
5°) Devo obedecer indiferentemente a
toda espécie de superiores, sem distinguir o primeiro do segundo, nem mesmo do
último; mas deve considerar em todos igualmente, a Nosso Senhor, de quem eles
ocupam o lugar, e lembrar-me de que a autoridade se comunica ao último por
aqueles que estão acima dele.
6°) Se o superior julga que o que manda
é bom e eu creio não poder obedecer sem ofender a Deus, a menos que isso me
seja evidente, devo então desobedecer. Se, entretanto, tenho dificuldade, por
algum escrúpulo, consultarei duas ou três pessoas de bom senso e ater-me-ei ao
que me disserem; e se não me render depois disso, estou muito longe da
perfeição que a excelência do estado religioso pede.
7°) Não devo ser para mim mesmo, mas
para meu Criador e para aqueles sob cujo governo me pôs. Devo estar nas mãos de
meu superior como a cera mole, que toma a forma que se quer e faz tudo o que
agrada: escrever cartas ou não escrever, falar a uma pessoa ou não lhe falar, e
outras coisas semelhantes.
8°)Devo considerar-me um corpo morto,
que, de si mesmo não tem movimento algum e como o bastão de quem um velho se
serve, segundo julgar que lhe serei útil.
9°) Não devo rogar ao superior que me
ponha neste ou naquele lugar, ou que me de este ou aquele emprego: posso, no
entanto, declarar-lhe meu pensamento e minha inclinação, contanto que eu me
entregue a ele de todo, e que o que ordena me pareça melhor.
10°) Isso não impede que não se peçam
coisas que não tem consequência, como seria visitar igrejas ou fazer outras
devoções para se obter de Deus alguma graça. Todavia, com a condição que,
estejamos numa igual situação de espírito, seja que o superior nos conceda ou
recuse o que lhe tivéssemos pedido.
11°) Devo depender sobretudo do
superior no que se refere à pobreza, não tendo nada de próprio e usado de tudo,
como uma estátua, que se pode despojar sem que ela se oponha nem se queixe.
Esse testamento de Santo Inácio de
Loyola, que morreu na sexta-feira, 31 de julho de 1556. às cinco horas da
manhã, pronunciando o nome de Jesus. Tinha sessenta e cinco anos. Havia
desejado três coisas sobre a terra: ver os soberanos Pontífices confirmar seu
instituto, ouvi-los aprovar o livro dos Exercícios espirituais e saber que as
constituições da ordem tinham sido promulgadas por toda parte. Onde trabalhavam
alguns de seus discípulos. Seus três desejos se haviam realizados: Inácio
morreu feliz. Foi beatificado em 1609, por Paulo V e canonizado em 1622, por
Gregório XV. Enterraram Santo Inácio na pequenina igreja dos jesuítas, colocada
sob a invocação da Mãe de Deus.
Em 1587, transportou-se seu corpo
para a igreja professa, chamada Jesus que o cardeal Alexandre Farnese tinha
feito construir; puseram-no em 1637 sob o altar da capela, que tem o nome de
Santo Inácio. Está encerrado numa caixa rica e muito preciosa.