A Gloriosa Assunção da Santíssima Virgem Maria, Senhora Nossa

Pe. Francisco de S. Maria – Portugal (ano de 1707)

(...) Comparemos hoje a Senhora no mistério da Assunção com a Senhora no mistério da Encarnação e mostrarei que a Senhora no mistério que hoje celebramos se excedeu a si mesma no mistério daquele grande dia. Todas as outras comparações são menos dignas da Senhora. Comparemo-la com o Sol, ou com a Lua, ou com a Aurora, ou com a Oliveira, ou com a Palma, ou com qualquer outra criatura, por mais santa e mais perfeita que seja, sempre a comparação é menos digna, porque a Senhora excede sem comparação a todas as outras criaturas. Só é digna da Senhora a comparação que prometi, porque se compara a Senhora com a mesma Senhora, e se prova que a Senhora, em um mistério, se excedeu a si mesma em outro. Vede se satisfaço a minha promessa e a vossa expectativa.
No mistério da Encarnação do Verbo vemos a Senhora assistida e cortejada de um anjo: “O anjo Gabriel foi enviado” (Missus est Angelus Gabriel)- Lc 1,26. E que tem que ver a glória daquele mistério com a glória deste? Na Encarnação, um anjo assistiu à Senhora; na Assunção assistiram à Senhora todos os coros dos Anjos. Naquele, a Senhora procurou humilhar-se à vista do Anjo, embaixador de Deus. Neste, foi exaltada a Senhora sobre todas as Hierarquias Angélicas, sobre todas as esferas celestes: Super choros Angelorum ad caelestia regna. Agora entendo o mistério. A Senhora é comparada neste dia a uma vara de fumo: “Que é aquilo que sobe do deserto como colunas de fumaça, exalando o perfume de mirra e de incenso, e de todos os aromas dos mercadores?” (Quæ est ista quæ ascendit per desertum sicut virgula fumi ex aromatibus murræ et turis et universi pulveris pigmentarii) - Cânticos 3,6. Mas que proporção tem a Senhora neste dia com a vara de fumo? Todos os anjos até os mais altos Serafins são de natureza de fogo: “Quem faz dos teus anjos espíritos, e de teus ministros um fogo abrasador” (Qui facis Angelos tuos spiritus, et ministros tuos ignem urentem) - Salmo 104 (103),4. E qual é a natureza do fumo? É elevar-se e transcender toda a esfera do fogo. Pois eis aí o mistério. Se todos os anjos são fogo (não como o nosso material, senão de esfera espiritual, e muito mais alta), diga-se que Maria Santíssima sobe hoje como fumo que transcende e se exalta com incomparável excesso a todo aquele fogo: Sicut virgula fumi.
Mas como não havia de ser assim, se a Senhora neste dia, sem despir a natureza humana, vestiu (no modo possível a ela) as perfeições da natureza Divina? No mesmo texto temos a prova. Diz o texto que aquela vara a que a Senhora é comparada neste dia se compunha de mirra e de incenso: ex aromatibus murræ et turis. Qual o mistério? Direi: na mirra se simboliza o ser humano, no incenso se simboliza o ser divino. Perguntem aos três Reis nas dádivas que ofereceram ao Menino Deus no Presépio. Eis aí, pois, o mistério com que se diz que a Senhora subiu hoje ao Céu, participando das fragrâncias do incenso e da mirra, para que se veja que, na fragrância da mirra, não despia o ser humano, mas que, na fragrância do incenso vestia (no modo possível a ela) as perfeições do ser Divino: ex aromatibus murræ et turis.

Ouçamos a S.Bernardo falando sobre a Senhora nos dois mistérios que temos ponderado: “Assim como O vestes, sois por Ele vestida” (Vestis eum e vestiris ab eo). Quer dizer: que no mistério da Encarnação vestiu a Senhora a Deus. Assim foi, porque naquele mistério a Senhora o vestiu do ser humano. E, no mistério da Assunção, Deus vestiu a Senhora pelas perfeições do ser Divino, que Deus neste dia lhe participou. E que diremos da Senhora quando a consideramos neste dia vestida de Deus? Se vemos a um sujeito em trajes de general, se vemos a outro em hábitos de religioso, se vemos a outro com insígnias de rei, dizemos que este é rei, que aquele é religioso, que o outro é general. Pois que diremos de Maria Santíssima, quando neste dia a vemos vestida de Deus? Não diremos que é Deus, pois seria contrário à Fé, mas podemos dizer que sobre todas as criaturas foi a que mais participou das perfeições de Deus, quando Deus a vestiu neste dia: Vestis eum e vestiris ab eo. Excedeu-se logo Maria Santíssima a si mesma, neste dia em que Deus a vestiu do ser Divino, em comparação ao dia em que a Senhora vestiu a Deus do ser humano: “encontrado em aspecto humano” (Habitu inventus ut homo) – Filipenses 2,7.
É Maria Santíssima uma nova glória aos bem-aventurados e a glória dos bem-aventurados, comparada à glória de Maria Santíssima, é tão inferior que lhe fica a perder de vista. Maravilhosa é a este intento uma visão do Evangelista João. Diz, que se lhe abriram uma vez de par em par as portas do Céu e que viu nele a Arca do testamento de Deus: “E apareceu no Santuário a arca da sua Aliança (Et visa est Arca testamenti ejus in templo ejus)-Apocalipse 11,19. Pois meu Santo, João, vós com olhos de Águia, abrindo-se-vos as portas do Céu, não vistes nele outra coisa mais que a Arca do testamento? Não vistes os Coros dos Anjos? Não vistes as classes ou esferas dos Santos? Não vistes as riquezas, a pompa, a Majestade, as delícias, as doçuras, os luzimentos, os resplendores, que ilustram e engrandecem a Cidade de Deus? Só dizeis que vistes a Arca do testamento? Sim. Porque à vista da Arca do testamento, tudo o mais fica a perder de vista. A Arca do testamento é Maria Santíssima no Céu, e na  comparação, toda a glória das demais criaturas fica muito abaixo. Por isto, só a glória da Senhora levou os olhos ao Evangelista Águia: Et visa est Arca testamenti ejus in templo ejus. (...)


Fonte (com adaptações): Sermões do Rmo. P.M. Francisco de S. Maria, Tomo Quarto, Portugal – ano de 1738, disponibilizado aqui.

Título da matéria, tradução (para o português) das passagens bíblicas e citação de S.Bernardo, adaptação para o português do Brasil: José Renato Leal