O Congregado vive pela Palavra


São Boaventura (em negrito) – Comentários de D. Henrique Soares da Costa, Bispo de Acúfica e auxiliar de Aracaju
A fonte da Sagrada Escritura não está na investigação humana, mas na divina revelação que brota do Pai das luzes, de quem toda paternidade no céu e na terra recebe o nome. 

Eis aqui uma afirmação fundamental para quem deseja compreender as Sagradas Escrituras: sendo textos inspirados pelo Senhor, sendo sua santa Palavra, as Escrituras não podem ser compreendidas unicamente com o engenho humano. Não adiante ter diploma de exegeta: o sentido dos textos sagrados somente pode ser atingido pelo humilde, que se deixa guiar pela iluminação do Senhor! E um exegeta sem fé, presunçoso e ímpio? Sabe tudo da letra e nada do Espírito, conhece a casca, a carne que não serve para nada, mas desconhece totalmente o Espírito que revela o espírito por trás da letra: é a compreensão desse espírito que dá doçura, unção, paz e alegria no Senhor.

Desse Pai, por seu Filho Jesus Cristo, vem a nós o Espírito Santo e por este Espírito Santo, que reparte e distribui os dons a quem quer, é-nos dada a fé: pela fé Cristo habita em nossos corações. Ela é o conhecimento de Jesus Cristo, donde se origina a firmeza e a compreensão de toda a Sagrada Escritura.

O pensamento de São Boaventura é perfeito: o Espírito dá testemunho de Cristo e quem se aproxima das Escrituras com Cristo no coração e na mente, as compreende, porque ele é a chave de todo o texto sagrado: ali tudo prepara para ele, tudo dá testemunho dele, tudo perscruta o seu santíssimo mistério. Cristo é a única chave, o único acesso à Escritura Sagrada!

Por conseguinte, é impossível a alguém propor-se conhecer a Sagrada Escritura antes de receber a fé em Cristo em si, infundida como lâmpada, porta e mesmo fundamento de toda ela.
Eis aqui uma afirmação que desmoraliza completamente o modo protestante de se aproximar da Bíblia. O centro da nossa fé não é a Escritura, mas Cristo Jesus. Nós não cremos em Cristo por causa da Bíblia, mas, ao contrário, cremos no que está escrito na Bíblia porque Cristo, nosso Salvador e Mestre, afirmou que as Escrituras dão testemunho dele. E esse Cristo, nós o conhecemos e aprendemos a nele crer e a amá-lo graças à Igreja. Então, seguindo São Boaventura, primeiro recebemos da Igreja a fé em Cristo e esta fé – fruto da ação do Espírito que confirma a pregação e os gestos sacramentais da Igreja - nos leva a tal conaturalidade com os textos inspirados pelo mesmo Espírito, que os compreendemos com a sabedoria toda espiritual.

Enquanto estamos peregrinando longe do Senhor, a fé é o fundamento que sustenta, a lâmpada que orienta, a porta que introduz a todas as iluminações espirituais. Além do que nos é necessário medir pela medida da fé até mesmo a sabedoria que nos é dada por Deus, a fim de não saber mais do que convém, mas com sobriedade e cada um conforme a medida da fé a ele concedida por Deus.

Ah, se todo exegeta compreendesse isto! Quantas afirmações arrogantes e até ímpias seriam evitadas! Tanto mal deixaria de ser dito e escrito nas academias teológicas e salas de aula! Na fé, cheia do Espírito, reside a diferença entre o sábio e o sabido, entre o douto nas coisas de Deus e o simples erudito acadêmico. O homem de fé, temente a Deus, aproximar-se-á sempre dos Livros Sagrados com santo temor e tremor, sabendo que, por mais que compreenda, bem mais é o que ignora do sentido profundo da Palavra do Altíssimo! Por isso, o verdadeiro exegeta será sempre humilde, modesto, docemente sóbrio no modo de explicar a Escritura.

Não é um resultado ou um fruto qualquer o benefício da Sagrada Escritura, em que estão as palavras de vida eterna. Ela foi escrita não apenas para que crêssemos, mas para que possuíssemos a vida eterna, onde veremos, amaremos e teremos satisfeitos todos os nossos desejos.
Aqui está: o estudo das Escrituras não pode jamais ser um simples jogo acadêmico. Trata-se, antes, de buscar nas palavras a Palavra que é o próprio Cristo e nele ter a vida eterna: Tua Palavra, Senhor, é espírito e vida, é vida eterna! Aos “entendidos” segundo a carne, aos “sábios” de sua própria sabedoria, ela fica oculta, escondida, mas é revelada aos humildes e pequenos!.

Sendo assim, aprenderemos verdadeiramente a incomparável ciência da caridade e seremos repletos de toda a plenitude de Deus. Nesta plenitude, esforça-se a Sagrada Escritura por introduzir-nos segundo a verdade da citada afirmação apostólica. Com este fim e nesta intenção deve-se perscrutar, ensinar e também ouvir a Sagrada Escritura.

Segundo São Boaventura, o fruto da freqüentação da Palavra de Deus é a caridade, isto é, o amor de Deus que se torna amor aos irmãos e a todas as criaturas por amor de Deus. Que beleza: freqüentar a Palavra do Senhor Deus para amar – e o amor é a natureza mesma de Deus: quem ama conhece a Deus, está em comunhão íntima com ele, experimenta já na terra algo da doçura do céu!

Para alcançarmos esse fruto e meta, avançando pelo reto caminho das Escrituras, cumpre começar do princípio. É necessário que nos aproximemos do Pai das luzes com fé pura, dobrando os joelhos do coração para que, por seu Filho, no Espírito Santo, nos conceda o verdadeiro conhecimento de Jesus Cristo e, com o conhecimento, também o seu amor. Conhecendo-o, então, e amando-o, firmes na fé e arraigados na caridade, poderemos entender a largura, a extensão, a altura e a profundidade da Sagrada Escritura e por esta ciência chegar àquele intensíssimo conhecimento e desmedido amor da Santíssima Trindade. A ela tendem os desejos dos santos e nela se encontra a plenitude de toda a verdade e de todo o bem.

Fonte: www.domhenrique.com.br