“Tu o dizes, SOU REI”
Por José Renato Leal
Em novembro, comemoramos a festa de Cristo, Rei do
Universo. Aqui na Diocese de Santos, na manhã do dia da Solenidade é realizada
uma Missa onde toda a diocese é convidada a assistir, de modo que as paróquias
suspendem as missas que seriam realizadas no mesmo horário para incentivar a
presença dos fiéis. Este é um costume que já vem de muitos anos. Demonstrações
de piedade e alegria envolvem este evento. Mas esqueçamos por um momento estes
aspectos paralelos e nos concentremos naquela verdade fundamental que se
pressupõe o motivo de tão grande manifestação dos meus irmãos católicos: Cristo
Rei. Cremos, com o Magistério da Igreja, que Cristo é Rei?
Ao abordarmos o
reinado de Cristo, podemos cair no equívoco muito comum com o uso da palavra
“Rei”, e dou um exemplo. Embora estejamos numa República, é muito comum
atribuirmos o título de Rei (ou Rainha) às grandes personalidades,
principalmente do mundo da música e do esporte. Pelé é o Rei do Futebol. Elvis
é o Rei do Rock. E por aí vai. Mas tanto Pelé como Elvis não são, de fato,
reis, ao menos não no sentido primeiro do vocábulo. Eles não detém poder
institucional sobre os campos em que atuaram, nem um poder qualquer que
subjugue suas áreas de atuação a eles mesmos. Em suma, o Pelé prestou grande
contribuição ao futebol, bem como o Elvis ao rock. Mas tanto o futebol como o
rock sobrevivem ao afastamento destes homens. E outra: ambos seguiriam seu
curso de desenvolvimento mesmo que estes jamais tivessem existido, não obstante
com alguma pequena diferença.
Cristo é Rei, mas não como Pelé ou Elvis são ditos
“Reis”. Nosso Senhor, como costumo dizer na minha CM, é Rei mesmo, naquele
sentido profundo: aquele que detém a realeza, a majestade, o poder, o domínio
sobre algo ou alguém. Esqueçamos os aspectos protocolares ou culturais, como
coroa, cetro, trono, manto, corte, ministros, papeladas para assinar, carruagem
etc, não é este o ponto. Lembro, entretanto, que não há problema algum nas
representações de Cristo com algum destes elementos - como cetro,coroa e manto
- dado que são a melhor expressão humana para designar a realidade sobrenatural
que abordamos aqui, além do fato de que a Igreja - mãe e mestra - sempre fez uso destes
elementos na arte sacra. O ponto aqui é o significado essencial: aquele que
exerce o domínio. Quando interrogado por Pilatos se era rei, Nosso Senhor
respondeu categoricamente: “Tu o dizes: sou rei”. Sim, o mesmo Senhor que disse
ser manso e humilde de coração, o mesmo Senhor que lavou os pés de seus discípulos,
não se desviou da pergunta nem mitigou a resposta. Tão enfática foi sua
resposta que os judeus sem demora reagiram com indignação. Um Senhor ao gosto
dos modernistas responderia diferente. Diria não ser rei, mas apenas um
coordenador, um facilitador, alguém cuja vontade e determinação não teria maior
peso que a de seus discípulos. Mas este fictício Senhor não é, de forma alguma,
Aquele mesmo que disse: “Eu não vim trazer a paz, mas a espada.” O verdadeiro
Senhor é o profetizado por Simeão a ser um sinal de contradição, a ser causa
não apenas de elevação, mas também de queda.
Disse o Senhor: “Toda a autoridade me foi dada no
Céu e na terra”. Dizemos no Pai-Nosso: “Venha a nós vosso Reino” e ainda “Seja
feita a vossa vontade, assim na terra como no Céu”. Aí está patente o Império
de Cristo sobre todas as coisas, tal como canta a Igreja: “Cristo vence, Cristo
reina, Cristo impera”. Este domínio não se exerce apenas sobre as almas
individuais. O poder de Cristo não está circunscrito apenas ao juízo de nosso
foro íntimo e só. Diriam os modernistas: “Cada um aceite o senhor que quiser
para sua vida particular e não venha a tomar juízo do que não lhe diz respeito
pessoalmente”. Este seria um senhor ao gosto moderno, que não se manifesta
publicamente, senão apenas às escondidas ou, quando muito, com trêmula
discrição. Mas este fictício senhor não é, de forma alguma, aquele que se
transfigurou entre Moisés e Elias no monte Tabor, não é aquele que disse:
“Quando for levantado da terra, atrairei todos a mim”, não é aquele de quem é
dito nos Salmos: “Senta-te à minha direita, até que seus inimigos estejam sob
seus pés”. Cristo não é apenas rei das almas individuais, mas também das
cidades humanas, de seus governos e de tudo o que elas contém. Como também diz
o Salmo, naquela conhecida letra adaptada para o canto: “O mundo e tudo o que
tem nele é de Deus. A terra e os que aí vivem: todos seus!”. Neste mesmo
sentido escreve Paulo aos
Filipenses: “Por isso, Deus o
exaltou acima de tudo e lhe deu o Nome que está acima de todo nome, para que,
em o Nome de Jesus, todo joelho se dobre no céu, na terra e abaixo da terra,e
toda língua confesse: “Jesus Cristo é o Senhor”, para a glória de Deus Pai.”
Portanto, o doce perfume de Cristo deve penetrar na vida do homem em todos os aspectos.
A evangelização do mundo contempla também os governos, que devem, dentro das
suas competências e atribuições, submeter-se ao poder espiritual de Nosso
Senhor Jesus Cristo, exercido por meio de sua Igreja Católica. Logicamente, tal
submissão requer que os governantes aceitem pessoalmente a autoridade de Cristo
e de sua Igreja. Os que governam também são chamados a ser discípulos de
Cristo: “Ide e fazei discípulos meus todos os povos”. Tal submissão dos
que exercem a política não significa que os mesmos devam passar a fazer aquilo
que só compete à Igreja, como nomear bispos, celebrar Missas, catequizar,
administrar os sacramentos etc. Também não significa que a Igreja deva assumir
funções dos poderes de Estado (exceto num estado de necessidade, como na ausência
de autoridade política; ou para salvaguardar suas instituições, como é o caso
da criação do Estado do Vaticano). Ambas as jurisdições – a Igreja e o estado –
foram confirmados por Nosso Senhor: “Daí a César o que é de César; e a Deus o
que é de Deus”. O poder temporal e o poder espiritual tem, cada uma, suas
próprias responsabilidades junto ao povo e estas são próprias de cada uma. Entretanto,
tal como o corpo é submetido à alma, a natureza à graça, a razão à fé, o poder
temporal (estado) deve se submeter ao poder espiritual (as leis divinas, cuja
único depositário é o Magistério da Igreja Católica). O poder temporal, quer
legisle, execute ou julgue, deve fazê-lo levando em conta o magistério infalível
da Igreja, aprovando o que não seja contrário ao Reino de Cristo, reprovando o
que seja contrário, favorecendo a expansão do Evangelho, reprimindo as forças
contrárias. Mas, em tudo, agindo com caridade, tolerância, prudência, desapego
de riqueza e vanglória, bom senso e desejo de manter a paz e a ordem pública. Este
cenário no qual Igreja e Estado - esta ordenada àquela – concorrem em prol do
fim último do homem (Deus) chama-se CRISTANDADE. A civilização ocidental, não
sem falhas e tribulações, experimentou tal cenário na Idade Média, como bem
recordou Sua Santidade o Papa Leão XIII na Encíclica Immortale Dei, cuja
leitura recomendo: “Tempo houve em que
a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da
sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os
costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil.
Então a religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau
de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor
dos príncipes e à proteção legítima dos magistrados. Então o sacerdócio e o
império estavam ligados em si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa
de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a
toda expectativa, frutos cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como
está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá
corromper ou obscurecer.”
Hoje a Cristandade medieval já não existe.
Contínuas revoluções desde o início da Idade Moderna tolheram dos governos a influência
do Evangelho. Destacam-se a revolução protestante, francesa e russa. Chegamos a
situação atual, onde os Estados, indiferentes, não se obrigam às leis divinas
ou mesmo são hostis a elas. Nesta situação, os bons católicos procuram obter o
quanto possível que as leis possam ser concordes com o Evangelho, embora sejam
feitas à margem de qualquer compromisso cristão. O voto aos candidatos
políticos se dá, muitas vezes, pelo critério do “mal menor” e muitos optam por
simplesmente anular o voto. Não pretendo discutir neste texto qual o critério
moral adequado a se adotar nesta situação.
Mas antes que possamos pensar no Reino social de
Nosso Senhor, devemos considerar que Ele deve reinar em nossa alma individual,
bem como cantamos no refrão de um conhecido Salmo: “Abre as portas, deixa
entrar o Rei da Glória”. Todas as portas de nossa mente e coração devem estar
abertas para Cristo, como dizia João Batista: “Preparai o caminho do Senhor,
endireitai suas veredas”. Não há “pontos cegos” para a autoridade que Cristo
exerce sobre nós. Não há de forma alguma! Parafraseando as Escrituras, é
preciso que Ele reine até que todas as camadas de nosso ser estejam sob seus
pés. Seja no comer ou no beber, no trabalho ou na diversão, nos estudos, na
família ou na roda de amigos, não importa o que façamos ou pensemos: tudo,
absolutamente tudo, deve estar sob a magnífica luz do Evangelho de Nosso
Senhor, especialmente e com ainda mais ênfase sob a nossa sexualidade. Este
é o admirável bem que devemos almejar, superior a todas as riquezas da Terra:
“a paz de Cristo no Reino de Cristo” (Papa Pio XI). Tal estado nos é concedido
mediante os Sacramentos da Igreja com o auxílio da oração constante, da prática
da Caridade, da penitência, da leitura das Escrituras. Podemos resumir assim:
tal Graça nos é concedida a partir do momento em que nos fazemos obedientes a
Deus. Triste é o destino do rebelde pertinaz, porque até mesmo o próprio Senhor
da Vida se fez obediente até a morte, e morte de cruz! O homem moderno deseja a
paz sem obediência, sem compromisso com a Verdade. Não há como! Entre as chaves
que abre a porta do Céu para nós está a chave da obediência. Mas a quê ou a
quem? À sã doutrina da Igreja Católica, a Cristo que age por meio da sua Igreja.
Tudo o que foi dito até agora foi para que
demonstrar que, quando a Igreja aclama Cristo como Rei, é porque ele tem um
domínio real sobre todas as coisas, de verdade. Entretanto, Nosso Senhor quis
ao se encarnar assumir a condição de escravo, despojando-se de toda honra e
glória a que teria direito por ser quem é. Quando quiseram proclamá-lo Rei após
o evento da multiplicação dos pães, afastou-se de imediato da multidão. A
multiplicação dos pães havia sido um sinal para a salvação das almas, mas o
povo viu Jesus apenas como um milagroso provedor. Cristo não se encarnou para
usufruir de um reino terreno com preocupações meramente terrenas. Cristo tem
autoridade para assumir diretamente a administração até mesmo das coisas
terrenas, mas não foi esta a vontade do Senhor. Deixou o Senhor aquilo que Ele
criou - o mundo - sob o governo de reis e sacerdotes, que devem agir sob um
influxo de graça divina. Nosso não é nada: somos administradores deste mundo
que é de Deus. Nós, homens, dotados da inteligência, vontade e livre arbítrio,
devemos abrir nossa mente e coração ao reinado de Cristo. Sem isto, perderemos
nossas almas. Os Estados, formados e regidos por homens rebeldes a Deus, se
convertem em territórios livres para a ação do Maligno. Na última tentação do
deserto, o demônio mostrou a Nosso Senhor todos os reinos do mundo e a sua
riqueza, e os ofereceu a Cristo, desde que Ele lhe prestasse adoração. Tal é o
destino dos Estados rebeldes a Deus: estarem à mercê dos caprichos do inimigo
de Deus. Mas não quero encerrar este texto com a pessoa digna de toda desprezo
que é o maligno. Encerro dizendo que não se deve temer Cristo Rei como
um opressor. Cristo é o Rei suavíssimo! Cristo Rei é o mesmo Cristo que disse:
“Vinde a mim todos vós que estais cansados e eu vos aliviarei... sou manso e
humilde de coração, darei descanso às vossas almas...”. Disse também o
Suavíssimo Rei de nossas almas: “Eu sou a Ressurreição e a Vida! Quem crê em
mim, ainda que esteja morto, viverá!” e ainda: “Eu sou o bom pastor. O bom
pastor dá a vida por suas ovelhas.” Aquele que crê em Nosso Senhor Jesus Cristo
e nele põe sua confiança, jamais será confundido!
Viva Cristo Rei!